Governo e relator chegam a um
consenso sobre projeto de lei que torna o combate aos entorpecentes no país
mais rígido. Autor da proposta discorda e afirma que texto ainda pode voltar à
proposta inicial. Expectativa dos deputados é que
proposta antidrogas seja votada nesta semana.
Após semanas de negociações,
representantes do governo federal e deputados envolvidos com o projeto da nova
política antidrogas conseguiram chegar a um acordo em relação ao
aumento de pena para quem comercializa entorpecentes.
Desta forma, a proposta deve ser apreciada em plenário pelos deputados nos
próximos dias. Apesar do acordo entre Ministério da Justiça e o relator da
proposta, Gilvado Carimbão (PSB-AL), ainda existem divergências. A principal
delas é do autor da matéria, deputado Osmar Terra (PMDB-RS), que promete
emender o texto para reajustar a pena de todos os traficantes.
A expectativa inicial é que o
texto seja votado nesta semana. No entanto, como os deputados não
conseguiram votar a Medida Provisória 595/12, a MP dos Portos,
a pauta da semana pode ficar trancada na Câmara. O presidente da Casa, Henrique
Eduardo Alves (PMDB-RN), convocou sessão extraordinária para a noite desta
segunda-feira (13) para analisar a MP. Líderes partidários, como Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), acreditam, entretanto, que só haverá quorum a partir de amanhã,
forçando um novo adiamento do projeto antidrogas.
Entrevista Luiz Eduardo Soares: ''Combater
o comércio de drogas não é difícil: é impossível''.
“O tráfico de drogas é uma
fonte de financiamento do tráfico de armas e um indutor de práticas violentas,
nas disputas por mercado e com as polícias”, constata o antropólogo.
Os últimos 30 anos da história ocidental comprovam que é “impossível” combater
o tráfico de drogas, diz o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ao narrar o envolvimento do brasileiro Ronald
Soares com as drogas, no seu recente livro Tudo ou nada (Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2012). “Não se trata de uma opinião, mas de
constatação empírica”, declara à IHU On-Line, em entrevista concedida por
e-mail. Segundo ele, foram gastos “bilhões de dólares na guerra contra as
drogas e o tráfico vai muito bem, obrigado. O lucro permanece, a demanda se
mantém mesmo nos países que possuem as melhores polícias e os mais sofisticados
mecanismos de controle, como os Estados Unidos”.
Soares explica que alguns fatores viabilizam a expansão do tráfico de
drogas, como a criminalização e “a proibição, sem a qual não poderia
realizar-se esse comércio em condições tão lucrativas e tão predatórias para o
consumidor”. Diante dessa conjuntura, o ex-secretário de Segurança Pública do
Rio de Janeiro questiona: “Ora, se esse é o fato e se é impossível revogá-lo, a
interrogação racional deixa de ser ‘deve-se ou não permitir o acesso’ para
formular-se nos seguintes termos: ‘Em que contexto institucional-legal seria
menos mal que tal acesso ocorresse? O contexto em que drogas fossem questão
relativa à polícia e prisão, isto é, à Justiça criminal? Ou o contexto em que
drogas fossem matéria de educação e saúde, cultura e autogestão social?” E
dispara: “Resta-nos superar preconceitos e ignorância, e adotar vias
alternativas. O pior flagelo, entre as drogas, são o álcool e a nicotina. Mesmo
assim, ninguém está propondo, felizmente, sua proibição”.
Na entrevista a seguir, Luiz Eduardo Soares antecipa a história do
brasileiro Ronald Soares, preso em Londres por associação ao tráfico de
drogas, e posteriormente no Complexo Penitenciário de Bangu, no Rio de
Janeiro, apontando as diferenças e aproximações entre os sistemas
penitenciários. “Ambas são destrutivas, mostrando que a privação de liberdade
representa, sempre, uma degradante violência estatal”, assegura.
Luiz Eduardo Soares é mestre em
Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do
Museu Nacional-UFRJ, doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, e pós-doutor em
Filosofia Política pelas universidades de Virgínia e Pittsburgh. Foi fundador e
primeiro coordenador do Núcleo de Pesquisas sobre Violência do Instituto de
Estudos da Religião – ISER em 1991, onde desenvolveu várias pesquisas até
janeiro de 1995. Entre janeiro e outubro de 2003, Luiz Eduardo Soares foi
secretário nacional de Segurança Pública. Foi também subsecretário de Segurança
Pública e coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania no governo de Anthony
Garotinho, entre janeiro de 1999 e março de 2000. Foi professor da UERJ e da
Universidade Cândido Mendes. É autor de onze livros, entre eles Meu casaco
de general: 500 dias no front da segurança pública do Rio de Janeiro (São
Paulo: Companhia das Letras, 2000), Pluralismo cultural, identidade e
globalização (Rio de Janeiro: Record, 2001) e Elite da tropa (Rio
de Janeiro: Objetiva, 2005), este escrito com Rodrigo Pimentel e André
Batista. Atualmente é coordenador do curso de especialização em Segurança
Pública da Universidade Estácio de Sá.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A partir da história
de Ronald Soares, que tinha um futuro promissor, o que motiva e fomenta o
tráfico internacional de drogas?
Luiz Eduardo Soares – Todo
negócio, legal ou ilegal, é motivado pela busca do lucro e é viabilizado pela
existência de oferta e demanda. No caso do tráfico, o fator que fomenta é
a proibição sem a qual não poderia realizar-se esse comércio em condições tão
lucrativas e tão predatórias para o consumidor. No livro mostro que cada
tonelada que sai da selva colombiana é multiplicada por seis até o varejo, na
Europa. Esse análogo perverso do “milagre dos pães” resulta da mistura das mais
diversas e nocivas substâncias à cocaína pura. Sabe-se, aliás, que tais
substâncias são muito mais lesivas do que a coca.
IHU On-Line – Que fatores favorecem
a comercialização de drogas atualmente? Por que o tráfico de drogas é um dos
mais difíceis de ser combatido?
Luiz Eduardo Soares – O que
favorece, ou melhor, torna possível a existência dessa rede ultralucrativa
chamada tráfico de drogas tal como ela se dá é a sua criminalização. Combater o
comércio de drogas não é difícil: é impossível. Pelo menos em contexto político
não totalitário. Não se trata de uma opinião, mas de constatação empírica.
Basta observar o que ocorreu nos últimos 30 anos no mundo ocidental. Foram gastos
bilhões de dólares na guerra contra as drogas e o tráfico vai muito bem,
obrigado. O lucro permanece, e a demanda se mantém mesmo nos países que possuem
as melhores polícias e os mais sofisticados mecanismos de
controle, como os Estados Unidos. 30 anos não são suficientes para revelar uma
realidade e confirmar um diagnóstico? Vamos continuar fazendo mais do mesmo?