O Clube Militar, entidade que reúne oficiais da ativa da marinha, do exército e da polícia (e também ex-militares), soltou nesta quarta-feira, 4 de setembro, uma nota oficial " Nossa Opinião - Equívoco, uma ova!" (veja abaixo), condenando o editorial “Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro”, divulgado pelo jornal O Globo no último dia 31 de agosto (veja abaixo).
O texto do veículo da família Marinho afirmava que “as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio [ao golpe militar] foi um erro”.
O texto do veículo da família Marinho afirmava que “as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio [ao golpe militar] foi um erro”.
O Clube Militar reagiu com firmeza: “o apoio ao Movimento de 64 ocorreu antes, durante e por muito tempo depois da deposição de Jango; em segundo lugar, não se trata de posição equivocada “da redação”, mas de posicionamento político firmemente defendido por seu proprietário, diretor e redator chefe, Roberto Marinho, como comprovam as edições da época”.
(Fonte: Blog do Lino)
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Nota do Clube Militar
EQUÍVOCO UMA OVA
Numa mudança de posição
drástica, o jornal O Globo acaba de denunciar seu apoio histórico à Revolução
de 1964. Alega, como justificativa para renegar sua posição de décadas, que se
tratou de um “equívoco redacional”.
Dos grandes jornais existentes
à época, o único sobrevivente carioca como mídia diária impressa é O
Globo. Depositário de artigos que relatam a história da cidade, do país e do
mundo por mais de oitenta anos, acaba de lançar um portal na Internet com
todas as edições digitalizadas, o que facilita sobremaneira a pesquisa de sua
visão da história.
Pouca gente tinha paciência e
tempo para buscar nas coleções das bibliotecas, muitas vezes incompletas, os
artigos do passado. Agora, porém, com a facilidade de poder pesquisar em casa
ou no trabalho, por meio do portal eletrônico, muitos puderam ler o que foi
publicado na década de 60 pelo jornalão, e por certo ficaram surpresos pelo
apoio irrestrito e entusiasta que o mesmo prestou à derrubada do governo
Goulart e aos governos dos militares. Nisso, aliás, era acompanhado pela grande
maioria da população e dos órgãos de imprensa.
Pressionado pelo poder político
e econômico do governo, sob a constante ameaça do “controle social da mídia” –
no jargão politicamente correto que encobre as diversas tentativas petistas de
censurar a imprensa – o periódico sucumbiu e renega, hoje, o que defendeu
ardorosamente ontem.
Alega, assim, que sua posição
naqueles dias difíceis foi resultado de um equívoco da redação, talvez
desorientada pela rapidez dos acontecimentos e pela variedade de versões que
corriam sobre a situação do país.
Dupla mentira: em primeiro
lugar, o apoio ao Movimento de 64 ocorreu antes, durante e por muito tempo
depois da deposição de Jango; em segundo lugar, não se trata de posição
equivocada “da redação”, mas de posicionamento político firmemente defendido
por seu proprietário, diretor e redator chefe, Roberto Marinho, como comprovam
as edições da época; não foi, também, como fica insinuado, uma posição passageira
revista depois de curto período de engano, pois dez anos depois da revolução,
na edição de 31 de março de 1974, em editorial de primeira página, o jornal
publica derramados elogios ao Movimento; e em 7 de abril de 1984, vinte anos
passados, Roberto Marinho publicou editorial assinado, na primeira página,
intitulado “Julgamento da Revolução”, cuja leitura não deixa dúvida sobre a
adesão e firme participação do jornal nos acontecimentos de 1964 e nas décadas
seguintes.
Declarar agora que se tratou de
um “equívoco da redação” é mentira deslavada.
Equívoco, uma ova! Trata-se de
revisionismo, adesismo e covardia do último grande jornal carioca.
Nossos pêsames aos leitores.
(Fonte: Clube Militar)
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Editorial: O GLOBO
Apoio
editorial ao golpe de 64 foi um erro
A consciência não é de hoje,
vem de discussões internas de anos, em que as Organizações Globo concluíram
que, à luz da História, o apoio se constituiu um equívoco.
Há alguns meses, quando o
Memória estava sendo estruturado, decidiu-se que ele seria uma excelente
oportunidade para tornar pública essa avaliação interna. E um texto com o
reconhecimento desse erro foi escrito para ser publicado quando o site ficasse
pronto.
Não lamentamos que essa
publicação não tenha vindo antes da onda de manifestações, como teria sido
possível. Porque as ruas nos deram ainda mais certeza de que a avaliação que se
fazia internamente era correta e que o reconhecimento do erro, necessário.
Governos e instituições têm, de
alguma forma, que responder ao clamor das ruas.
De nossa parte, é o que fazemos
agora, reafirmando nosso incondicional e perene apego aos valores democráticos,
ao reproduzir nesta página a íntegra do texto sobre o tema que está no Memória,
a partir de hoje no ar:
“Diante de qualquer reportagem
ou editorial que lhes desagrade, é frequente que aqueles que se sintam
contrariados lembrem que O GLOBO apoiou editorialmente o golpe militar de 1964.
A lembrança é sempre um
incômodo para o jornal, mas não há como refutá-la. É História. O GLOBO, de
fato, à época, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros
grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do
Brasil” e o “Correio da Manhã”, para citar apenas alguns. Fez o mesmo parcela
importante da população, um apoio expresso em manifestações e passeatas
organizadas em Rio, São Paulo e outras capitais.
Naqueles instantes,
justificavam a intervenção dos militares pelo temor de um outro golpe, a ser
desfechado pelo presidente João Goulart, com amplo apoio de sindicatos — Jango
era criticado por tentar instalar uma “república sindical” — e de alguns
segmentos das Forças Armadas.
Na noite de 31 de março de
1964, por sinal, O GLOBO foi invadido por fuzileiros navais comandados pelo
Almirante Cândido Aragão, do “dispositivo militar” de Jango, como se dizia na
época. O jornal não pôde circular em 1º de abril. Sairia no dia seguinte, 2,
quinta-feira, com o editorial impedido de ser impresso pelo almirante, “A
decisão da Pátria”. Na primeira página, um novo editorial: “Ressurge a
Democracia”.
A divisão ideológica do mundo
na Guerra Fria, entre Leste e Oeste, comunistas e capitalistas, se reproduzia,
em maior ou menor medida, em cada país. No Brasil, ela era aguçada e
aprofundada pela radicalização de João Goulart, iniciada tão logo conseguiu, em
janeiro de 1963, por meio de plebiscito, revogar o parlamentarismo, a saída
negociada para que ele, vice, pudesse assumir na renúncia do presidente Jânio
Quadros. Obteve, então, os poderes plenos do presidencialismo. Transferir
parcela substancial do poder do Executivo ao Congresso havia sido condição
exigida pelos militares para a posse de Jango, um dos herdeiros do trabalhismo
varguista. Naquele tempo, votava-se no vice-presidente separadamente. Daí o
resultado de uma combinação ideológica contraditória e fonte permanente de
tensões: o presidente da UDN e o vice do PTB. A renúncia de Jânio acendeu o
rastilho da crise institucional.
A situação política da época se
radicalizou, principalmente quando Jango e os militares mais próximos a ele
ameaçavam atropelar Congresso e Justiça para fazer reformas de “base” “na lei
ou na marra”. Os quartéis ficaram intoxicados com a luta política, à esquerda e
à direita. Veio, então, o movimento dos sargentos, liderado por marinheiros —
Cabo Ancelmo à frente —, a hierarquia militar começou a ser quebrada e o
oficialato reagiu.
Naquele contexto, o golpe,
chamado de “Revolução”, termo adotado pelo GLOBO durante muito tempo, era visto
pelo jornal como a única alternativa para manter no Brasil uma democracia. Os
militares prometiam uma intervenção passageira, cirúrgica. Na justificativa das
Forças Armadas para a sua intervenção, ultrapassado o perigo de um golpe à
esquerda, o poder voltaria aos civis. Tanto que, como prometido, foram
mantidas, num primeiro momento, as eleições presidenciais de 1966.
O desenrolar da “revolução” é
conhecido. Não houve as eleições. Os militares ficaram no poder 21 anos, até
saírem em 1985, com a posse de José Sarney, vice do presidente Tancredo Neves,
eleito ainda pelo voto indireto, falecido antes de receber a faixa.
No ano em que o movimento dos
militares completou duas décadas, em 1984, Roberto Marinho publicou editorial
assinado na primeira página. Trata-se de um documento revelador. Nele,
ressaltava a atitude de Geisel, em 13 de outubro de 1978, que extinguiu todos
os atos institucionais, o principal deles o AI5, restabeleceu o habeas corpus e
a independência da magistratura e revogou o Decreto-Lei 477, base das
intervenções do regime no meio universitário.
Destacava também os avanços
econômicos obtidos naqueles vinte anos, mas, ao justificar sua adesão aos
militares em 1964, deixava clara a sua crença de que a intervenção fora
imprescindível para a manutenção da democracia e, depois, para conter a
irrupção da guerrilha urbana. E, ainda, revelava que a relação de apoio
editorial ao regime, embora duradoura, não fora todo o tempo tranquila. Nas
palavras dele: “Temos permanecido fiéis aos seus objetivos [da revolução],
embora conflitando em várias oportunidades com aqueles que pretenderam assumir
a autoria do processo revolucionário, esquecendo-se de que os acontecimentos se
iniciaram, como reconheceu o marechal Costa e Silva, ‘por exigência inelutável
do povo brasileiro’. Sem povo, não haveria revolução, mas apenas um
‘pronunciamento’ ou ‘golpe’, com o qual não estaríamos solidários.”
Não eram palavras vazias. Em
todas as encruzilhadas institucionais por que passou o país no período em que
esteve à frente do jornal, Roberto Marinho sempre esteve ao lado da legalidade.
Cobrou de Getúlio uma constituinte que institucionalizasse a Revolução de 30,
foi contra o Estado Novo, apoiou com vigor a Constituição de 1946 e defendeu a
posse de Juscelino Kubistchek em 1955, quando esta fora questionada por setores
civis e militares.
Durante a ditadura de 1964,
sempre se posicionou com firmeza contra a perseguição a jornalistas de
esquerda: como é notório, fez questão de abrigar muitos deles na redação do
GLOBO. São muitos e conhecidos os depoimentos que dão conta de que ele fazia
questão de acompanhar funcionários de O GLOBO chamados a depor: acompanhava-os
pessoalmente para evitar que desaparecessem. Instado algumas vezes a dar a
lista dos “comunistas” que trabalhavam no jornal, sempre se negou, de maneira
desafiadora.
Ficou famosa a sua frase ao
general Juracy Magalhães, ministro da Justiça do presidente Castello Branco:
“Cuide de seus comunistas, que eu cuido dos meus”. Nos vinte anos durante os
quais a ditadura perdurou, O GLOBO, nos períodos agudos de crise, mesmo sem
retirar o apoio aos militares, sempre cobrou deles o restabelecimento, no menor
prazo possível, da normalidade democrática.
Contextos históricos são
necessários na análise do posicionamento de pessoas e instituições, mais ainda
em rupturas institucionais. A História não é apenas uma descrição de fatos, que
se sucedem uns aos outros. Ela é o mais poderoso instrumento de que o homem
dispõe para seguir com segurança rumo ao futuro: aprende-se com os erros
cometidos e se enriquece ao reconhecê-los.
Os homens e as instituições que
viveram 1964 são, há muito, História, e devem ser entendidos nessa perspectiva.
O GLOBO não tem dúvidas de que o apoio a 1964 pareceu aos que dirigiam o jornal
e viveram aquele momento a atitude certa, visando ao bem do país.
À luz da História, contudo, não
há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim
como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram
desse desacerto original. A democracia é um valor absoluto. E, quando em risco,
ela só pode ser salva por si mesma.”
(Fonte: Jornal O GLOBO)
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