Raquel Rolnik - Site UOL
Escândalos de corrupção envolvendo políticos são o
assunto que mais consome páginas de jornais e minutos na TV. Em tempos de
campanha eleitoral, ganham ainda mais centralidade: nos programas políticos dos
candidatos, nos debates, nos comentários na mídia e nas redes sociais, em
reuniões de família e mesas de bar.
A corrupção é de fato indignante: é desvio de
dinheiro público, é comportamento antiético, conspurca o Estado. Ver políticos,
secretários e gestores bebendo champanhe em Paris, passeando de jatinho ou
comprando apartamentos que custam milhões de reais –tudo com nosso dinheiro– de
fato revolta. No entanto, a maneira como os casos de corrupção têm sido
apresentados, na verdade, mais oculta do que revela o problema.
Geralmente, os escândalos de corrupção estão
relacionados a superfaturamento de obras e serviços contratados pelo Estado.
Quando "estouram", imediatamente aparecem os "políticos
corruptos" e o destino do dinheiro desviado por estes, mas quase nunca
isso vem acompanhado de preocupação semelhante em mostrar o conjunto de atores,
instituições e processos envolvidos no negócio.
Com tantos órgãos fiscalizadores e leis que
constroem um enorme emaranhado institucional para impedir que a contratação de
obras e serviços pelo Estado seja passível de corrupção e que, ao mesmo tempo,
garantem a livre competição entre os fornecedores, por que será que a corrupção
persiste? Para responder a essa questão, é preciso abordar assuntos sobre o
quais não se fala.
Não se fala, por exemplo, na prática corrente de
grupos empresariais que atuam nas obras e serviços públicos de dividir entre si
tais obras e serviços, combinando previamente preços e, assim, garantindo
mercados cativos, como o de coleta e destinação de lixo, transporte, energia...
a lista é gigante. Não se fala, também, do controle das políticas públicas por
estes grupos, quem terminam definindo que projetos e políticas serão
executados, onde e como, e, evidentemente, ganhando as licitações para
implementá-los.
Não se fala do grau de privatização do Estado
brasileiro –não no sentido de repasse da prestação de serviços para empresas
privadas, mas no sentido do controle dos processos decisórios sobre sua
implementação. Não se fala nos uísques caros e passeios de jatinhos que rolam
nas "amizades" pessoais entre as lideranças destes grupos e políticos
e gestores de praticamente todos os partidos, absolutamente necessárias para
garantir a perpetuação de seus contratos, de suas concessões, de seus
monopólios.
Pouco se fala, aliás, de práticas cotidianas da
cultura brasileira, como "molhar" a mão do guarda, acertar "por
fora", que de tão banais nem parecem corrupção, mas são.
A corrupção não acaba porque, infelizmente, ela
depende menos da existência de políticos corretos –que, sim existem!– que de um
modelo de relacionamento do setor privado com o Estado brasileiro –do qual o
financiamento de campanhas é um dos mecanismos–, que hoje perpetua relações de
privilégios e benefícios privados para empresas, partidos políticos e indivíduos.
Falar em corrupção sem entrar nessas questões é apenas construir uma cortina de fumaça útil para não expor os verdadeiros beneficiários de todo o butim.
Raquel Rolnik é arquiteta e
urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
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