Para Santos, inconformados com o Governo não enxergam no PMDB a solução
da crise
Fabiano
Santos, cientista político e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e
Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-UERJ) conhece bem
as entranhas do sistema político brasileiro e é muito crítico da conjuntura
atual, turbinada por constantes revelações da Operação
Lava Jato. Santos não hesita em afirmar que o
PSDB passará aos livros de história como um "partido golpista" e
critica o papel exercido pelo Judiciário no jogo político que vem paralisando o
Brasil desde a reeleição da presidenta Dilma
Rousseff, em outubro de 2014. Santos vê
semelhanças entre a atuação dos juízes na crise com a dos militares,
acostumados a intervir no sistema político desde a Primeira República. Nas
ruas, ele enxerga uma parte significativa dos manifestantes se apropriando dos
símbolos, retórica e interesses dos partidários do golpe de Estado contra João
Goulart em 1964.
Pergunta. Acredita que o PMDB
na presidência teria como superar a crise
política e econômica?
Resposta. O PMDB encontra-se envolvido em todos os episódios de corrupção
que são utilizados para atingir o PT. Dificilmente os atores hoje inconformados com o Governo, à esquerda e
à direita, enxergariam nas lideranças deste partido autoridade e competência
para administrar a crise, sobretudo em uma conjuntura que para muitos resulta
de um golpe palaciano.
P. Nessa terça-feira, o partido anuncia sua saída do Governo Dilma.
Como você avalia esse desembarque e as movimentações partidárias que ele pode
trazer?
R. Vejo duas consequências possíveis: um movimento de manada pelo
qual o restante dos partidos da base desembarcariam. Ou ao contrário: uma
ocupação dos espaços, que são muitos, deixados pelo PMDB, pelos demais partidos
médios e pequenos que ainda fazem parte da base. O efeito manada nos mercados é
associado a comportamentos irracionais e de pânico. Na política, estes
comportamentos irracionais irrompem às vezes, sobretudo, quando tratamos das
massas. Para mim não está dado que haverá efeito manada na hipótese de um
desembarque geral do PMDB. A
racionalidade, me parece, aponta para o efeito contrário – a atração de atores
marginais para o centro do governo.
P. O sistema político brasileiro é muito engessado para lidar com uma
crise como esta?
R. As instituições do sistema político pouco podem fazer quando os
atores encontram-se radicalizados e indispostos a conduzir o processo de acordo
com as regras do jogo democrático. Na verdade, o sistema político é bastante
flexível. O presidente pode mudar ministros, reacomodar a base. O processo
decisório é complexo, leva em conta vários interesses, favorece a moderação, em
suma. Nunca houve, nesse sentido, nenhum risco de emergência de um governo
radicalizado que ameaçasse os fundamentos capitalistas do nosso sistema. A
crise é resultante de uma grave conjuntura internacional com um pouco de
inabilidade no front interno, somado aos impactos da operação Lava Jato e da
sabotagem patrocinada pelo movimento conspiratório da oposição e parte do PMDB.
A história saberá identificar a responsabilidade de cada um.
P. Como as manifestações contra o Governo têm
influenciado no decorrer dos acontecimentos em Brasília?
R. Através da mídia, extremamente concentrada e partidarizada,
exercendo pressão sobre os políticos indecisos, narrando as manifestações como
se fossem expressão do povo, quando todos sabemos que são expressão de parte
muito específica da população.
P. Você enxerga hoje a apropriação de símbolos e datas associadas ao
golpe do 64 pelos manifestantes pró-impeachment?
R. Parte significativa deles sim. Mesma simbologia, mesma retórica,
mesmos interesses... Surpreendente!
P. Você acha que, realmente, há uma polarização majoritária na
sociedade brasileira ou existe uma massa crítica silenciosa e maior que não se
manifesta nem um sentido ou em outro?
R. Há uma polarização forte e um eleitor médio que se sente
incomodado e traído pela crise econômica, cujas origens pouco dizem respeito ao
que o Governo fez ou deixou de fazer, e que não percebe que a quebra das regras
é a pior solução.
Pergunta. O que significaria para o Brasil um processo de impeachment vitorioso contra Dilma Rousseff?
Resposta. Significaria a quebra da regra do jogo democrático e a revelação
de que as bases institucionais da democracia brasileira ainda são frágeis, ao
contrário do que vínhamos imaginando desde a promulgação da Constituição de
1988. Em última instância, o processo de impeachment ora em curso no
Brasil configura um golpe de estado, pois carece de fundamento legal. Trata-se
de típica conspiração palaciana, apoiada por setores monopólicos dos meios de
comunicação e setores do Poder Judiciário. Se bem sucedida a conspiração,
teremos de rever nossas agendas de pesquisa para os próximos anos, no sentido
de se tentar analisar desenhos mais equilibrados de distribuição de poder entre
o Judiciário e o restante do sistema político e uma regulação eficiente do
caráter monopólico e partidarizado dos meios de comunicação. Vários colegas têm
se debruçado há anos sobre estes temas. Certamente, agora, serão mais ouvidos e
terão suas opiniões mais respeitadas.
P. Com quase 60% dos deputados da comissão do impeachment envolvidos
em alguma investigação e sendo dirigidos por Eduardo Cunha, que é
réu da Operação Lava Jato, terá legitimidade o processo?
R. O impeachment não tem legitimidade e o fato de ser conduzido por
Eduardo Cunha agrava o problema. Contudo, mesmo que não houvesse nenhuma
suspeita pairando sobre o presidente da Câmara, o processo todo carece de
legitimidade. É de extrema gravidade que um processo tão traumático e
fundamental para os destinos de um país importante como o Brasil esteja sendo
conduzido pelo deputado Eduardo Cunha. Sobre isso, se calam as principais
lideranças da oposição que se auto intitulam de éticas e virtuosas. Seria
paradoxal senão estivéssemos diante de um projeto de golpe de Estado. Sendo
assim, questões de consistência e ética não fazem o menor sentido. O importante
e o que vale é a conquista do Estado tendo em vista extrair tudo que possa ser
extraído para o benefício dos aliados, impondo uma agenda de sacrifício aos
perdedores, os trabalhadores, e contendo os estragos que a operação Lava Jato
possa vir a causar nas principais lideranças do PMDB e do PSDB.
P. Você acredita que não há evidências para o impeachment?
R. Não há evidências contra a figura de Dilma Rousseff, o que indica
que se trata de processo político e, portanto, ilegal, uma vez que a regra
constitucional requer elementos jurídicos explícitos e comprovados a indicarem
crime de responsabilidade. Os limites legais são fundamentais para que a luta
política não resvale para uma situação hobbesiana na qual o conjunto da
comunidade sai perdendo. Sim, claro, sem política no sentido nobre, não há
disposição dos agentes econômicos e sociais para a cooperação e geração de
bens, valores e serviços. Mas a política no sentido nobre só tem bom fluxo
quando as regras do jogo encontram-se bem delimitadas e são respeitadas pelos
atores principais. Este último aspecto está em falta no Brasil – os atores da
oposição, ao partirem para a conspiração, desrespeitam as regras do jogo,
levando o processo ao conhecido caminho do estado de natureza hobbesiano.
P. Como você avalia a estratégia do Governo Dilma e do PT durante a
crise? Você acha que souberam jogar suas cartas? Eles podem ainda se salvar?
R. Sobraram erros no que tange a coordenação política do Governo
desde a vitória eleitoral em 2014, mas este fator não pode ser considerado
suficiente para que a oposição adote postura antidemocrática e se recuse a
esperar as eleições em sua tentativa legítima de reocupar o Governo. Não sei se
é possível conter o processo na Câmara, mas ainda há jogo para se jogar. O
governo está no caminho correto agora de negociar no sentido positivo da
palavra e colocando as lideranças certas no lugares certos. Se ainda resta
tempo para evitar o golpe? Não sabemos, política é timing, e grande parte dos
problemas enfrentados por Dilma Rousseff emana de uma certa dificuldade de
perceber o timing da jogada.
P. Por que você acha que alguns agentes políticos, como Aécio Neves
ou FHC, alteraram sua posição respeito ao impeachment? O que mudou, se o motivo
– as pedaladas – continua sendo o mesmo que no ano passado?
R. Aécio Neves nunca alterou sua posição. Sua primeira manifestação
após as eleições de 2014 foi a de que teria perdido não para um partido mas
para uma organização criminosa, repetindo postura clássica de forças
conservadoras do passado que insistiam em não reconhecer derrotas nas urnas. Fernando
Henrique Cardoso adotou postura contrária no início, mas ele deixou-se se levar pelas circunstâncias e lhe faltou coragem
para ter se mantido contra, apesar da posição do seu partido. Ele será lembrado
de uma maneira pouco lisonjeira. As pedaladas não podem ser consideradas como
indício de crime de responsabilidade. Este argumento foi incluído para
justificar uma conspiração já em curso.
P. Como o PSDB, e sua maneira de fazer oposição, passará a história
após esta crise?
R. Como a reedição talvez menos glamorosa da velha UDN, partido que
conspirou em favor do golpe em 1951, em 1954, em 1961 e, finalmente de forma
bem sucedida, em 1964.
P. Como você avalia a
entrada do Judiciário no jogo político brasileiro?
R. No geral, em sua maioria, está ocupando o espaço deixado pelos
militares – aparentemente entra como Poder Moderador, mas acaba adotando um dos
lados no contexto de polarização social. Os militares no Brasil, desde a
primeira República, viam-se como Salvadores da Pátria,
como uma corporação responsável pela limpeza dos costumes políticos do país.
Eles sempre intervieram na estrutura política, provocados por civis, no
sentido, de depurar o sistema político da corrupção. Mas eles sempre foram
péssimos para a democracia. A mesma coisa estamos vendo agora nas mãos do
judiciário e o Ministério Público que acabam sendo instrumentos de uma luta
social polarizada. Eles terão de fazer uma profunda revisão de seu papel e dos
limites à sua atuação em um futuro imediato.
Fonte: Jornal El País - Reportagem: MARÍA MARTÍN
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Os comentários são de responsabilidade dos que o escrevem, e não expressam o pensamento do Núcleo de Estudos Sociopolíticos.