O movimento sindical brasileiro está
distante do protagonismo exercido em outros tempos. A perda da influência dos
sindicatos está associada às mudanças de fundo do capitalismo mundial e também
devido as opções que fez na última década – Era Lula. Recuperar
o papel transformador exige o enfrentamento a uma série de desafios.
O
comentário é de Cesar Sanson, professor do Departamento de Ciências
Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN em artigo para o IHU On-Line:
Eis o artigo.
Tornou-se comum a interpretação de que o movimento sindical
brasileiro ao final da década de 1970 e na década posterior, 1980, encontrou o
seu grande momento de afirmação e crescimento. A partir dos anos 1990, porém,
entrou em crise e não recuperou o protagonismo anterior.
A compreensão da crise do movimento sindical – perda de
representatividade junto à base, interlocução reduzida junto ao conjunto da
sociedade, dificuldade de intervenção e influência nas decisões que o capital
toma no chão de fábrica, rendição à agenda do Estado – está associada às
mudanças ocorridas no mundo do trabalho nas últimas décadas e às opções que
foram sendo feitas pelos próprios sindicatos nesses últimos anos –
particularmente a partir da Era Lula.
No mesmo período, nos anos 1980, em que o movimento sindical
brasileiro encontrava a sua afirmação, a realidade do mundo do trabalho passava
um processo de rápida e radical mudança, resultante da nova dinâmica econômica
internacional. Ainda nos anos 1980, expressões anteriormente desconhecidas,
como desregulamentação, flexibilização e terceirização se incorporaram
definitivamente à agenda do mundo do trabalho. O “novo” capitalismo que chega
ao Brasil nos anos 1990 – gestado nas administrações Thatcher e Bush –
distingue-se pelo fortalecimento do capital frente ao Estado e no ataque às
conquistas obtidas pelos trabalhadores no período anterior. A precarização do
trabalho instala-se a partir de 1990 caracterizando-se por três aspectos.
Desintegração do mercado de trabalho
O primeiro, diz respeito à desintegração do mercado de trabalho.
Acerca da desintegração do mercado de trabalho, as análises são díspares, porém
há consenso que as mudanças do modo produtivo provocaram uma queda acentuada no
emprego industrial – esse aspecto da redução de postos de trabalho é
particularmente significativo, uma vez que na indústria de transformação se
desenvolve pesquisa e tecnologia que possibilitam ganhos para o conjunto da
economia de um país. Por outro lado, a redução de postos de trabalho na
indústria precariza o mercado de trabalho. Os melhores salários encontram-se na
indústria de bens manufaturados, é nesse setor que as categorias de
trabalhadores e os seus sindicatos conquistam convenções coletivas mais
avançadas, o que "puxa" a pauta de reivindicações do conjunto dos
trabalhadores "para cima".
Coincide ainda a análise de que as mudanças advindas da
revolução tecnológica provocaram também uma mudança na natureza da classe
operária, fragmentando-a com a decisão da empresa em focalizar sua produção
afim e terceirizando os demais processos produtivos. No mesmo chão de fábrica,
trabalhadores trabalham lado a lado, porém, em regimes distintos.
Capital e trabalho. Mudanças no chão de
fábrica
Entre as mudanças em curso promovidas pelo capitalismo na
transição de século – o segundo aspecto -, está a inflexão do novo modo
produtivo em alterar o padrão tecnológico e organizacional conhecido. A
revolução tecnológica ou informacional com suas máquinas - ferramantas
informacionais, os equipamentos de informática assistidos pela microeletrônica
alteraram o chão-de-fábrica ubiquando todo o processo produtivo.
Com a introdução das novas tecnologias da informação (NTIs) ganha-se
em aumento significativo da produtividade, na agilidade de alteração do mix produtivo, na capacidade
de alta flexibilidade para responder as demandas do mercado e na drástica
redução de postos de trabalho na indústria como já comentado. Destaque-se ainda
que paradoxalmente, a introdução de tecnologias, ao contrário do que sempre se
imaginou, vem contribuindo para aumentar o ritmo do trabalho e não diminuí-lo.
Não é apenas o padrão tecnológico que muda. Altera-se também o
padrão organizacional das empresas. Basicamente, o padrão organizacional
anterior à revolução tecnológica, era o modelo clássico de organização do
trabalho taylorista-fordista. Nesse modelo, a produção fabril se realiza em
série, através da linha de montagem. Havia rigidez e especialização no processo
produtivo, com clara separação entre a gerência e a execução (verticalização).
A produção é em massa, uniforme e padronizada. Verifica-se uma grande
porosidade no trabalho, com grandes estoques e o controle de qualidade separado
da produção.
O novo modelo de gestão do trabalho, incrementado pela revolução
tecnológica é o de inspiração toyotista. Nesse modelo, a produção é flexível,
não há estoques. A organização do trabalho é dirigida pelo princípio Just-in-time (da jusante à
montante, ou seja do mercado para a fábrica e não mais da fábrica para o
mercado como no fordismo). Prima-se pela
qualidade total, pela integração gerência-execução (horizontal), pelo trabalho
em equipe, pela redução da porosidade no trabalho e o controle de qualidade
está integrado ao processo de trabalho.
O novo padrão organizacional é ainda portador de uma novidade. A
busca pelo engajamento da subjetividade operária. Agora, já não basta um
trabalhador convencional que cumpra apenas sua jornada de trabalho e ponto
final. O que se exige é um trabalhador que “vista a camisa” da empresa, que a
incorpore em sua vida e a ela dedique o melhor de suas energias, físicas e
intelectuais. Requer-se um trabalhador que se transforme em um colaborador, que
se dispa da sua primariedade de mão-de-obra servil e sinta-se sócio, no qual a
sua perfomance individual
é vital para o grupo.
Direitos sob ataque
Finalmente, o terceiro aspecto, o da desregulamentação, com
forte incidência nos anos 1990, virá no sentido de mudar o sistema de relações
de trabalho e fragilizar os mecanismos de negociação dos sindicatos. Mudanças
são realizadas no arcabouço institucional das relações de trabalho: na alocação
do trabalho – o trabalho por tempo determinado, denúncia da convenção 158 da
OIT, trabalho temporário, trabalho estágio; na flexibilização da remuneração – PLR e na
flexibilização do tempo de trabalho – banco de horas, trabalho aos domingos.
Observa-se nos anos 1990, o fortalecimento do sujeito empregador em detrimento
ao coletivo dos trabalhadores, aumentando a tendência de regulação para a
esfera privada e subtraindo o papel do agente público.
Inserção subordinada
No caso brasileiro, o processo de reestruturação produtiva,
resultado da consequência da nova dinâmica internacional do capitalismo, é
intensificado, sobretudo pela decisão do Brasil em adotar ao final dos anos
1980 e decisivamente nos anos 1990, a busca irrefreável pela inserção na
economia internacional.
A vitória de Collor em 1989 é a
vitória do modelo que sugere a inserção competitiva no mercado internacional,
modelo esse que será intensificado nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso.
Os dois mandatos de FHC (1994-2002) aprofundaram as orientações
do ‘Consenso
de Washington’: acirramento das privatizações, abertura econômica,
ajuste fiscal e ataque a legislação social. Nos anos FHC se
processou a mutação do chamado ‘Estado empresário’, para o ‘Estado regulador’
como condição para o crescimento econômico e para que o país pudesse se inserir
de forma competitiva junto ao mercado internacional.
Os anos 1990, conhecidos como a Era FHC, resultaram na retirada do
Estado do setor produtivo, mediante um programa de privatização de suas
empresas; na desregulamentação da economia; na revisão do sistema
previdenciário; no fim das restrições ao capital estrangeiro; na revisão das
normas de propriedade industrial (lei das patentes); nas tentativas de mudança
da CLT (para
que esta pudesse assimilar as práticas de flexibilização nos contratos
coletivos de trabalho).
A adoção do modelo econômico de inserção competitiva no mercado
internacional exigirá o enfrentamento às forças que o rejeitam. Assim como em
1964, o movimento sindical brasileiro constituir-se-á em uma das forças
importantes de resistência ao novo modelo. A greve dos petroleiros de 1995 é
emblemática porque nela manifesta-se a tensão mais aguda do que se estava em
jogo naquele momento. De um lado a decisão peremptória do governo em não ceder
à lógica do seu modelo, do outro lado, os trabalhadores que não aceitavam
perdas salariais resultante da lógica adotada pela nova política fiscal e
monetária.
A reestruturação produtiva iniciada nos anos 1980 e consolidada
nos anos 1990, com contribuição da opção econômica e política feita pelo país
atinge duramente o movimento sindical. De forma resumida pode-se afirmar que
nos anos 1990, o cenário é muito desfavorável ao movimento sindical. A
realidade do trabalho conspira contra os sindicatos.
Nos anos 1990 percebe-se uma queda brutal do número de greves e
a pulverização e fragilização da ação sindical. Na resposta à crise, nos anos
1990 ganha força ideia do “sindicato cidadão”. A concepção é de um sindicalismo
que para além de procurar superar o corporativismo de categoria, tenha a
preocupação de interagir com outras forças sociais. Essa tendência já se
verifica com a Constituição de 1988 quando foi ampliada de forma significativa
a ação sindical em espaços públicos.
Saldo dos anos 1990
O saldo dos anos 1990 permite a leitura de que a ação sindical
acabou sendo balizada por uma agenda imposta: reforma do Estado, privatização
do setor produtivo estatal, reorientação das políticas sociais, adoção de
medidas de flexibilização das relações de trabalho e de desregulamentação do
mercado de trabalho.
Ao mesmo tempo as questões já suscitadas nos anos 1980
continuaram sem resolução: a dificuldade de estruturação do sindicato no
interior dos locais de trabalho, a superação do sindicato de “porta de
fábrica”, o processo de acomodamento das lideranças no sindicato oficial, a
dependência das taxas compulsórias, a dificuldade das centrais em coordenar os
seus sindicatos em ações unitárias, a proliferação de sindicatos de categorias
diferenciadas resultando grande fragmentação. Percebe-se ainda que os traços
gerais da velha estrutura corporativa continuaram intactos. Perpassa ainda o
conjunto do movimento sindical a ausência da construção de um projeto
alternativo para o país.
Mesmo assim o chamado movimento sindical de caráter
contestatória que tem as suas raízes nos final dos anos 1970 e durante os anos
1980, continua aglutinado até o final dos anos 1990 e início dos anos 2000, a
partir de dois elementos unificadores: a oposição ao neoliberalismo e a
construção de uma candidatura operária forjada no seio do movimento sindical.
Era Lula. Cooptação ou adesão?
Os anos 2000 trazem a novidade da eleição de Lula. A eleição
de Lula é
uma aposta feita pelo movimento sindical desde o final da década de 1980. A
construção do programa do Partido dos Trabalhadores ao longo da das duas
ultimas décadas recebeu decisiva contribuição do movimento sindical.
Como representante de origem sindicalista, a expectativa é que a
eleição de Lula altere
a agenda política e econômica e favoreça os trabalhadores. Paradoxalmente o
governo Lula será
o responsável pelo racha daqueles que se uniram em torno do novo sindicalismo. Lula assume
pressionado pelas ‘regras do jogo do mercado’ e pela enorme expectativa das
demandas sociais reprimidas durante décadas. Opta pela manutenção da
macroeconomia do governo anterior, tendo como pilares a disciplina fiscal e
monetária. Ato contínuo realiza a Reforma da Previdência. Parte do movimento
sindical racha com o governo e passa a se articular em torno do Conlutas num
primeiro momento e, posteriormente, também na articulação denominada Intersindical.
A CUT mantem postura amistosa com o governo Lula, porém,
com um discurso ambíguo. Fala na necessidade de mudança do modelo econômico,
mas ao mesmo tempo é fiadora do modelo na medida em que abdicou de uma pressão
maior e passou a ocupar espaços no governo.
Desafios para o movimento sindical
O itinerário percorrido até aqui revela que o movimento sindical
inicia o novo século fragilizado, distante do papel que desempenhou ao longo do
século XX. Retomando os “velhos problemas” do movimento sindical e adensando a
eles os “novos problemas” destacados anteriormente, arriscamos aqui apontar
alguns desafios para o movimento sindical.
Universalização das bandeiras de lutas
Parece evidente que cada vez mais é exigido ao movimento
sindical a capacidade de construir bandeiras universais que apresentem
respostas às questões suscitadas pelo capitalismo global. O problema reside no
fato de que esse mesmo capitalismo global desagrega e segmenta os
trabalhadores, tornando-os ainda mais heterogêneos.
Identificar pontos comum de luta na atual
classe trabalhadora
Seguindo o raciocínio anterior, o desafio é de como encontrar
pontos de identidade que sejam similares ao conjunto dos trabalhadores. O novo
modo produtivo divide os trabalhadores até mesmo sob o mesmo teto – muitos são
terceirizados - e não os divide apenas do ponto de vista de tarefas
diferenciadas, divide-os em ganho salarial, divide-os na forma de se vestir,
divide-os nos benefícios que recebem e, sobretudo divide-os em sua
representação sindical. Como superar essas divisões?
Diminuição do fosso entre incluídos e
excluídos
A perversidade maior da nova lógica do capital está em tornar
cada vez mais assimétrica a relação entre os próprios trabalhadores. Temos os
integrados, os semi-integrados e os excluídos. A questão posta aqui é como
fazê-los que se sintam pertencentes a uma mesma classe social?
Incorporar segmentos não representados
Com a desestruturação da sociedade salarial, são milhares os
trabalhadores que se encontram em atividades sem representação classista clara,
como motoboys, vendedores ambulantes, trabalhadores dos amplos setores em
expansão da informalidade. Como representá-los? Quem pode representá-los e com
quem se negocia a sua possível pauta de problemas no trabalho, uma vez que não
há um empregador definido?
Enfrentar a pulverização
Vivenciamos uma realidade de pulverização da representação
sindical. O Brasil nunca passou pela experiência da contratação coletiva. O
grande guarda-chuva de proteção aos trabalhadores continua sendo a CLT. O desafio
é de como diminuir essa fragmentação para ganhar em força de representação.
Construção de um referencial teórico
O movimento sindical, sobretudo o de caráter contestatório, nos
últimos anos tem perdido a sua capacidade de ousar na elaboração teórica que
formule referencias alternativos de um projeto socioeconômico e político para o
país.
Enraizamento da ação sindical
Historicamente, uma das grandes bandeiras de luta do movimento
sindical é o direito pela organização no local do trabalho (OLT). O que se
conquistou nesta perspectiva foi ainda muito pouco.
Reversão da hegemonia flexibilizadora
Como sair da defensiva imposta pela agenda flexibilizadora da
nova realidade do trabalho? A luta tem sido pelo resguardo aos direitos
conquistados, mas mesmo assim nos últimos anos mecanismos como a PLR têm
substituído muitas vezes até a reposição salarial. Tampouco os trabalhadores
têm conseguido negociar em pé de igualdade o processo da reestruturação
produtiva.
Articulação com outros movimentos sociais
Uma saída para enfrentar a crise seria a alternativa de o
movimento sindical juntar-se às outras forças sociais que contestam a nova
ordem econômica internacional, juntar-se ao movimento antiglobalização. No caso
brasileiro, somar suas energias aos movimentos sociais camponeses e urbanos.
Preservar a autonomia
Toda vez que movimento sindical abdica de sua autonomia torna-se
mais frágil em seu poder mobilizador e de contestação. A diretriz leninista da
"correia de transmissão" pode ser "boa" para quem detêm poder na estrutura sindical, porém, é desastrosa para a luta operária. O
sindicalismo comprometido com os trabalhadores exige autonomia política
absoluta, o adesismo retarda e freia a organização e a ação coletiva.
(Fonte: IHU On Line)
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