Texto
de Carlos Castilho, publicado no Observatório da Imprensa:
Está
na hora de nossa imprensa mudar a sua agenda em matéria de cobertura da
violência urbana no país. A saturação de notícias sobre novos
assassinatos, latrocínios, sequestros, atropelamentos etc. já está chegando ao limite
do suportável e corre o risco de se tornar inócua pela repetição.
A
cobrança das autoridades também se mostra ineficaz por conta da burocratização
e desvios de conduta nos órgãos de segurança. Além do mais, não dá para colocar
um policial em cada esquina e nem há recursos para tudo o que a população exige
para se sentir segura nas ruas e em casa.
A
saturação de notícias sobre violência por parte da imprensa tende a aumentar
o medo na população, e todos nós sabemos que esse tipo de sensação alimenta
negócios, torna as pessoas mais dóceis e manipuláveis, sem falar nas explosões
de xenofobia e o recurso à justiça pelas próprias mãos quando alguém,
ou algum grupo de indivíduos, chega ao seu limite de tolerância em relação à
insegurança.
Por
outro lado, não é possível eliminar da noite para o dia a delinquência urbana,
o crime organizado, as máfias do narcotráfico e os bandidos do colarinho
branco. Todo mundo sabe que o problema é complexoe que não adianta sair
prendendo ou matando criminosos. Mas, apesar disso, continuamos ouvindo
promessas governamentais de que tudo vai ser resolvido com mais verbas, mais
câmeras de vigilância, helicópteros, armas, novos policiais etc., etc.
A
soma desses fatores torna quase óbvia a necessidade de uma mudança radical na
forma de encarar o problema – e a imprensa está numa posição única, porque tudo
indica que a busca de soluções para a violência urbana, que já não é mais um
privilegio das metrópoles brasileiras, passa pela mudança de condutas e de
valores do cidadão. O problema ficou complexo demais para ser resolvido somente
na base da cobrança, das denúncias, da saturação noticiosa ou do tratamento
emotivo.
A
grande pergunta é o que o cidadão – ou seja, nós – pode fazer para reduzir
a violência urbana que conseguiu o milagre de atingir todas as classes sociais.
Essa pergunta deveria ser o ponto de partida da imprensa para mudar sua
estratégia de cobertura do problema da insegurança pública. Os jornais, rádios,
emissoras de TV e páginas web têm o poder de influenciar a mudança na agenda de
preocupações do público.
Isso
é quase o óbvio ululante, o que falta é assumir a mudança, porque na hora
de montar um noticiário a rotina leva os editores a invariavelmente privilegiar
o crime do dia ou o assalto mais espetacular, nos quais quase sempre aparecem
policiais triunfantes, bandidos de cabeça baixa, vítimas chorando e testemunhas
indignadas.
A
rotinização da cobertura só estimula o acúmulo do medo e da raiva, que
quando combinados têm efeitos quase tão devastadores quanto o ato criminoso.
Sabemos disso há anos mas insistimos em não assumir que essa conduta leva
a um beco sem saída.
A
resposta à pergunta sobre o que fazer implica uma mudança de comportamento. Não
há nenhuma receita ou modelo pronto para ser aplicado. Primeiro porque
cada situação é uma situação diferente e, segundo, porque a existência de um
modelo único repete o quadro atual em que as pessoas se acomodam ao delegar
para um funcionário público a tarefa de resolver o problema – e passam apenas a
cobrar resultados. Isso nós já temos hoje. Em qualquer noticiário é rotineira a
aparição de autoridades prometendo resolver um problema que elas sabem que não
pode ser resolvido por medidas normativas.
Assumir
que não existe solução vinda de cima é o primeiro passo para mudar a
agenda de cobertura da imprensa. Se existe alguma possibilidade de começar a
reverter a violência, esta vem da base social, do cidadão e das comunidades.
São eles que podem criar sistemas coletivos de segurança pessoal e patrimonial,
que podem não ser perfeitos, mas pelo menos são mais presentes do que a
polícia, que não pode estar em todos os lugares o tempo todo.
A
imprensa ocupa um papel único nessa possibilidade de mudar a agenda de
preocupações do público em matéria de segurança porque, salvo o eventual
desaparecimento de anúncios de empresas ligadas a produção de equipamentos e
serviços de segurança, ela não tem nada a perder, muito pelo contrário: ganha a
atenção do leitor, coisa preciosa nos dias de hoje.
Não
é preciso nenhuma decisão mirabolante, basta que as redações comecem a refletir
sobre o que estão fazendo em matéria de cobertura da violência e constatem a
necessidade de ir buscar junto ao público as soluções para o problema. Não
adianta recorrer a especialistas em segurança pública, porque eles são
perfeitos para problemas pontuais mas não conhecem, e nem podem conhecer, as
realidades específicas de cada comunidade.
Ao
procurar junto à população os elementos para uma nova estratégia de cobertura
da violência urbana, a imprensa rompe com a rotina de buscar sempre um
especialista, reforçando a crença em soluções verticais. É uma primeira
mudança, parece mínima, mas seus efeitos podem ser incalculáveis.
Principalmente se levarmos em conta que o modelo atual de cobertura tende a nos
conduzir a um beco sem saída, onde as principais vítimas seremos nós.
(Fonte: Observatório
da Imprensa)
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