Que
ele estava para fazer um anúncio grave e importante dava para entender desde as
primeiras horas da manhã: o texto do Angelus
do Papa não foi divulgado aos jornalistas credenciados.
O apelo à paz na Síria de Francisco,
provavelmente ponderado até o último momento, foi possível conhecer apenas
quando o Papa começou a falar. Para encontrar declarações papais tão
graves e dramáticas sobre a guerra é preciso remontar às palavras pronunciadas
por João Paulo II no Angelus
de 16 de março de 2003, às vésperas do ataque ocidental contra o Iraque.
A
reportagem é de Andrea Tornielli e publicada no sítio Vatican Insider, de 03-09-2013. A
tradução é de André Langer.
O
ancião e enfermo Papa Wojtyla, que havia proclamado o dia 05 de março
desse mesmo ano como dia de jejum e oração pela paz no Oriente Médio, e que
havia mobilizado todo tipo de iniciativas diplomáticas (ao reunir-se
pessoalmente com muitos chefes de Estado e ao enviar os seus embaixadores
pessoais a Washington e Badgá), estava fazendo nesse dia o último
esforço para que o seu pedido fosse ouvido e a intervenção contra Saddam
Hussein não acontecesse. Uma guerra que acabaria poucas semanas depois,
mas que jogou o país no caos mais absoluto e na instabilidade, como se pode
constatar ainda hoje, 10 anos depois.
João
Paulo II chamou os “responsáveis políticos de Bagdá” ao seu “urgente
dever de colaborar plenamente com a comunidade internacional, para eliminar
qualquer motivo de intervenção armada”. Mas também recordou “aos países membros
da ONU e, em particular, aos que compõem o Conselho de Segurança,
que o uso da força representa o último recurso, depois de esgotadas todas as
outras soluções pacíficas, segundo os bem conhecidos princípios da própria Carta
da ONU”.
E
acrescentou, com palavras que hoje ressoam profeticamente por seu realismo: “É
por isso que (diante das tremendas consequências que uma operação militar
internacional possa ter para a população do Iraque e para o
equilíbrio de toda a região do Oriente Médio, tão afetada, além dos
extremismos que poderiam dela derivar) digo a todos: ainda há tempo para
negociar, ainda há espaço para a paz; nunca é tarde demais para se compreender
e continuar negociando. Refletir sobre os próprios deveres, envolver-se com
negociações eficazes não significa humilhar-se, mas trabalhar com
responsabilidade pela paz”.
Depois,
o Papa Wojtyla levantou o olhar do discurso escrito que estava no
atril e acrescentou: “Eu pertenço a essa geração que viveu a Segunda
Guerra Mundial e sobreviveu. Tenho o dever de dizer a todos os jovens, aos
que são mais jovens que eu, que não tiveram esta experiência: ‘Nunca mais a
guerra!’, como disse Paulo VI em sua primeira visita às Nações
Unidas. Devemos fazer todo o possível! Sabemos bem que a paz a qualquer preço
não é possível. Mas todos sabemos quão grande é esta responsabilidade. Então,
oração e penitência!”.
Com
o seu apelo grave e forte, o Papa Francisco se inclui na tradição dos
Pontífices que levantaram a voz durante o último século, quase sempre sem serem
ouvidos, para deter as guerras. Há uma linha que une o grito de paz contra o
“inútil massacre” de Bento XV durante a Grande Guerra, com os
apelos de Pio XII, que tratava de evitar o abismo do segundo conflito
mundial, e mais tarde com a Guerra na Coreia, que demonstraram que Pacelli,
Pontífice tenazmente anticomunista, teve muito cuidado para não se deixar
“enrolar” pelo presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, como
capelão de novas “cruzadas” ocidentais. A mesma linha segue seu curso com João
XXIII, sua Pacem in Terris e
a intermediação para frear a guerra por ocasião da crise dos mísseis em Cuba.
E prossegue com Paulo VI, que instituiu o Dia Mundial pela Paz e
que repetiu na ONU o grito: “Nunca mais a guerra!”. O mesmo grito que
saiu das gargantas de Wojtyla e Bento XVI.
No
domingo passado, a voz do Papa Francisco soou grave, emocionada,
trêmula e ao mesmo tempo firme. Bergoglio falou como pai, como pastor,
como bispo, não como político. Considerou todos os elementos que estão em jogo.
Condenou com força o horror das armas químicas. Explicou que acrescentar
violência à violência e à guerra já existente não representa a solução, mas
somente piorará o quadro em si já dramático com consequências que a população
civil terá que pagar. A advertência de Francisco foi a de um pai que
compartilha a angústia de seus filhos e dá a voz aos “homens e mulheres de paz”
de qualquer parte do mundo. Não são táticas ou considerações geopolíticas.
Qualquer tentativa de interpretar o apelo do Papa em termos de se Francisco é
mais contra o regime de Assad ou mais a favor de uma potencial
intervenção dos EUA na Síria, parece forçada e inadequada. As
palavras de Francisco não devem ser interpretadas com o olhar da
diplomacia.
É
evidente, tanto agora como no passado, que o Papa e os Papas em geral não estão
interessados nas estratégias geopolíticas, mas no destino concreto da população
civil. A alma do apelo do domingo passado é a atenção por todos os que sofrem e
pagam as consequências da guerra. Mas também comovem muitos outros fragmentos
do apelo, nos quais Bergoglio falou em primeira pessoa, demonstrando que
se sente pessoalmente envolvido: “Meu coração está profundamente ferido pelo
que está acontecendo na Síria e angustiado com os dramáticos desenvolvimentos
que se preanunciam”.
“Dirijo
um forte apelo pela paz, um apelo que nasce do mais íntimo de mim mesmo!”. “Com
particular firmeza condeno o uso das armas químicas!”, insistiu. “Com todas as
minhas forças, peço às partes em conflito que escutem a voz da própria
consciência”, gritou, convidando a comunidade internacional para fazer todos os
esforços possíveis para promover, sem duvidar um segundo, “iniciativas claras
pela paz”.
O
dia de jejum e oração do próximo sábado, 07 de setembro, é um convite que Francisco estendeu
muito além das fronteiras da Igreja, do mundo cristão e do mundo dos crentes de
outras religiões. Foi um convite universal a todos os que se preocupam com a
sorte da humanidade. Rezar, para quem acredita, ou, independente disso, jejuar
é uma forma de participar e construir a paz a partir do compromisso concreto de
cada um. O momento é muito mais dramático do que se poderia imaginar, como se
pode ver nas alarmantes palavras do bispo Mario Toso, secretário do Pontifício
Conselho Justiça e Paz, que, nesta segunda-feira, evocou o espectro de um novo
conflito mundial. Inclusive por este motivo, o Papa repetiu as invocações
à Virgem, “Rainha da paz”.
Ao
recordar o que aconteceu durante as últimas décadas, é preciso esperar
seriamente que a voz indefesa do Bispo de Roma seja ouvida desta vez.
(Fonte: IHU - on line)
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