segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Gastos sociais: disputa civilizatória?

Por: Bruna Coutinho - estagiária do NESP

No Brasil, no que tange ao planejamento orçamentário da União, muito se vem discutindo sobre os impasses entre receitas e despesas. Tais debates incidem sobre os possíveis prejuízos advindos de programas sociais como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, e o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), e em como tais prejuízos seriam manifestação da política econômica neoliberal que pressiona os projetos políticos democráticos e de promoção do bem-estar social.

Tal discussão pode passar por outro caminho, que não somente os cortes em gastos sociais. Carlos Drummond, editor da seção de economia da Revista Carta Capital, em reportagem na mesma revista, argumenta que “o Brasil tem incorporado ano a ano as determinações da Constituição de 1988” e que o “entrave não está nas despesas, mas nas receitas.” (DRUMMOND, 2015a).

Inicialmente, Drummond traz dados de um estudo[1] recentemente publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), sobre a relação dos gastos sociais da federação, em porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB), por categoria de benefícios, como se pode ver na tabela abaixo.

Tabela 1 – Despesas com benefícios sociais do governo central, por categoria
Reproduzido de DRUMMOND, 2015b.



Os dados demonstram que os gastos com políticas sociais vêm aumentando paulatinamente, desde 1998. Segundo Drummond, tal panorama tem intrínseca relação com movimentos sociais em todo o mundo, não somente no Brasil, que intensificaram as reinvindicações a favor de políticas promotoras do bem-estar social, através da garantia, pelos estados, de seguridade social, redistribuição de renda, acesso a serviços básicos de educação, saneamento e infraestrutura, mobilidade urbana, cultura, entre diversos outros.
O alcance dessas políticas sociais em número de beneficiários pode ser observado na tabela 2.

Tabela 2 – Evolução da quantidade de beneficiários por modalidade
(em milhões de indivíduos)
Reproduzido de DRUMMOND, 2015b.



O fato de tais reivindicações populares históricas serem atendidas, em alguma medida, pelos Estados não indica terem sido elas que deflagraram a crise financeira do Brasil. Pelo contrário, a menor parte da população brasileira, que pertence às altas classes socioeconômicas, pouco contribui para a receita da União uma vez que a tributação é a mesma para toda população brasileira. Seus patrimônios privados e os diversos benefícios tributários, que caracterizam as grandes fortunas não taxadas pelo Governo, só aumentam nos últimos 20 anos. (DRUMMOND, 2015a).


Assim sendo, por onde devem passar os debates sobre o orçamento anual da União? Drummond argumenta, a partir do economista Paulo Kliass, que o enfrentamento da atual política econômica brasileira há que considerar uma inversão de prioridades. Ao invés de se planejar as receitas tendo como prioridade o pagamento de juros e serviços da dívida interna pública, é preciso, sobretudo, que a política financeira apresente “um saldo de receitas superior às despesas vinculadas a investimentos, programas sociais, pagamento de pessoal e semelhantes. ” (DRUMMOND, 2015a).

Priorizar as receitas e não os gastos quando se fala de orçamento da União parece um caminho interessante para se fugir do marasmo diante das ameaças – ainda que reais – aos cortes dos programas sociais, porquanto estes têm tido investimento ao longo dos últimos 15 a 10 anos. Além do que discutir receitas torna o debate mais radical, no sentido de que remete a raízes, ao perpassar pelas dimensões da concentração de renda e das desigualdades socioeconômicas entre as classes sociais brasileiras.

REFERÊNCIAS

DRUMMOND, Carlos. A disputa pela civilização. Carta Capital, ano XXI, n. 867, 16 set. 2015a, p.22-24.

DRUMMOND, Carlos. No Brasil, ajuste fiscal liberou uma disputa pela civilização. Carta Capital, 16 set. 2015b. Disponível em: . Acesso em: 17 out. 2015.




[1] Trata-se do estudo Flexibilização Fiscal: Novas evidências e desafios, realizado por Sérgio Wulff Gobetti e Rodrigo Octávio Orair, em setembro de 2015.

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