"A impotência política tem
origem na ocupação do estado e de seus órgãos reguladores pelas tropas dos
interesses corporativos", escrevem Luiz Gonzaga Belluzzo, diretor da
Facamp (Faculdades de Campinas) e professor titular do departamento de Economia
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Gabriel Galípolo,
mestre em economia política e professor do departamento de Economia da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em artigo publicado
por Carta Capital, 11-04-2016.
Segundo eles, "as
presentes dores e convulsões impelidas às democracias ao redor do globo,
sentidas agudamente em nossa Nova República, só receberão sentido histórico se
forem capazes de refundar conceitos e práticas, se puderem restabelecer nexos entre
o povo, a mídia, os políticos e as políticas públicas".
Eis
o artigo:
A deliberação do PMDB de
desembarcar do governo Dilma Rousseff promete tornar o fim de março
mais uma vez decisivo para a história do País. Há dúvidas se esse desenlace
será capaz de nos oferecer o final redentor prometido pelos “analistas” da
televisão.
Hoje há grande espaço na mídia
aos que se atiram a deduções otimistas quanto à qualidade do debate político,
classificando os frequentes apelos para o impedimento da presidenta eleita como
“avanço democrático”. Aos adeptos da “democracia de resultados”, cabem a ironia
e o ceticismo de Machado de Assis em Quincas Borba: no fim
da batalha à tribo dos intolerantes midiáticos nada sobrará além das
batatas. Batatas assando.
A polarização e o discurso de
ódio não são um fenômeno nacional. Donald Trump, o candidato que
segundo Martin Wolf tornou dizível o impensável, simboliza o tipo de
personalidade e valores cultuados hoje em dia. Depõe especialmente contra a
sociedade contemporânea que seja significativamente mais fácil reunir
indivíduos contrários a uma opinião do que a favor. A revista alemã Der
Spiegel adverte: podemos estar diante de “uma era na qual serão cada vez
mais fortes aqueles que não oferecem qualquer solução, os que só oferecem rejeição
e medo”.
A divulgação das
listas da construtora Odebrecht expõe a fratura sofrida pelo
sistema político-partidário, provocada pela reiteração do emprego sistemático
dos métodos de financiamento das campanhas eleitorais. Partidos que no início
da redemocratização detinham agendas programáticas identificáveis se perderam
em projetos de poder, transformando-se em massas amorfas de políticos que se
unem por conveniência eleitoral e exclusão. Sou desse partido, pois sou contra
aquele, a partir de estratégias de “mercado”, como o sabão em pó que lava
melhor o colorido em contraposição ao que lava mais branco.
As mais recentes delações e
listas, a envolver praticamente toda a fauna e flora nativa de políticos e
partidos, deixam claro que as suspeitas quanto aos financiamentos de campanha
não discriminam classe social, etnia, naturalidade ou inclinações ideológicas.
Não se trata, portanto, de condenar genericamente os eleitos para cargos
públicos financiados por empresas com interesses relacionados (ou todas as companhias
doadoras), mas questionar a pertinência desse sistema de patrocínio
de campanhas eleitorais em uma democracia.
Aos eternamente aprisionados na
síndrome de vira-lata, ávidos por se exilarem em terras imunes aos problemas de
países de segunda categoria, recomenda-se a leitura de relatórios oficiais,
depoimentos, documentários e livros a respeito da invasão da haute finance na
cidadela da democracia ocidental.
No prefácio do livro de Greg
Palast Billionaires and Ballot Bandits (Bilionários e os Bandidos do
Voto) Robert Kennedy Junior desmoraliza a decisão de 2010 da Suprema
Corte Americana que permitiu o financiamento ilimitado das campanhas eleitorais
por empresas, grandes, médias ou pequenas. O expediente utilizado para
disfarçar o maciço financiamento empresarial foi a criação dos Super PACs
(supercomitês de ação política). O supercomitê não pode fazer contribuições a
candidatos ou partidos, mas pode pagar propagandas a favor ou contra causas
defendidas pelos candidatos. A hipocrisia, dizia La Rochefoucauld, é a
homenagem que o vício presta à virtude.
O filho de Bob Kennedy não
se perde em divagações: “Os senadores e congressistas que as empresas financiam
e elegem não são representantes do povo dos Estados Unidos. Eles representam os
compadres da indústria de petróleo, os gigantes do setor farmacêutico e os
banksters de Wall Street. Todos empenhados na tomada hostil (hostile
takeover) do governo”.
Robert Kaizer, no livro So
Damn Much Money, listou 188 ex-congressistas registrados oficialmente como lobistas
em Washington. Revelou o funcionamento da porta giratória entre os grandes
negócios e a política, ou, como batizou Simon Johnson, professor do MIT e
economista-chefe do FMI em 2007 e 2008, em artigo de 2009 intitulado “O golpe
silencioso”, o chamado “corredor Wall Street – Washington”. Estudo realizado
por advogados associados no Public Citizen flagrou na nobre ocupação
de lobistas metade dos senadores e 42% dos deputados que deixaram o Congresso
entre 1998 e 2004. No período 1998-2011 o setor financeiro gastou 84,5 bilhões
de dólares com essa turma.
A revista Business and
Politics estampada no site Berkeley Electronic Press publicou um
artigo sobre os retornos excepcionais auferidos pelos portfólios de ações
adquiridos por deputados norte-americanos entre 1985 e 2001. Elaborado com o
cuidado e rigor exigidos por tal empreitada, o estudo conclui que as ações
adquiridas pelos integrantes da Câmara dos Deputados (House of Representatives)
auferiram retornos “anormais” estatisticamente significantes. Bateram a
evolução dos índices do mercado em torno de 6% ao ano. Os rendimentos anormais
obtidos pelos deputados foram, no entanto, substancialmente inferiores aos
auferidos pelos senadores. Os autores do estudo supõem que o diferencial de
rendimentos deva ser atribuído “à menor influência e poder dos deputados”. Seja
como for, o estudo encontrou “fortes evidências de que integrantes da Câmara
dos Deputados têm acesso a algum tipo de informação não disponível
publicamente, utilizada para obter vantagem pessoal”.
A “impotência política” dos
governos tem origem na ocupação do Estado e de seus órgãos de
regulação pelas tropas da finança e dos graúdos interesses corporativos, aí
incluídos os das megaempresas de mídia. As tropelias de Rupert
Murdoch dão testemunho das ligações perigosas entre o mass media, a
política e a polícia. E é possível identificar facilmente seus equivalentes
locais.
As presentes dores e convulsões
impelidas às democracias ao redor do globo, sentidas agudamente em nossa Nova
República, só receberão sentido histórico se forem capazes de refundar
conceitos e práticas, se puderem restabelecer nexos entre o povo, a mídia, os
políticos e as políticas públicas.
Fonte: IHU e
Carta Capital
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