domingo, 1 de maio de 2016

PEDRO FLORIANO RIBEIRO - Impeachment: ritos, sussurros e um lugar na história

É provável que, em meados de maio, Michel Temer assuma a Presidência da República no lugar de Dilma Rousseff, com a abertura do processo de impeachment no Senado. Essa é mais uma batalha praticamente perdida pelo Governo, que terá como última trincheira – antes dos prováveis recursos no Supremo Tribunal Federal (STF) – a votação final do processo naquela Casa, quando tentará impedir a oposição de obter o apoio de dois terços (54 senadores) pela condenação e afastamento definitivo da presidente. No atual estado de coisas, entretanto, o Governo só se salva com o surgimento de fatos novos, que alterem as expectativas dos atores políticos e econômicos, além do ânimo da sociedade. Lufadas bombásticas da Lava Jato (ou outros esquemas) sobre Temer, a cassação da chapa completa pelo TSE, uma interferência incisiva do STF sobre o processo, ou a explosão de uma guerra interna no PMDB, levando a um racha que comprometa o roteiro do impeachment, são algumas das possibilidades sobre as quais podemos apenas especular – e em relação às quais o Governo pode pouco mais do que torcer, já que não se coloca como protagonista em nenhuma.
Muitos já disseram que o impeachment é processo político, e não jurídico. Para além dos efeitos retóricos de tal afirmação, ela se confirma quando se observam a abrangência e subjetividade das justificativas elencadas no artigo 85 da Constituição para embasar o afastamento de um presidente da República. Olhado através de lentes interessadas no processo, qualquer mandatário pode ser enquadrado nas genéricas razões ali apresentadas, configurando-se como autor de crime de responsabilidade no exercício de suas funções. Na prática, desenvolve-se um mecanismo inverso – se não cronologicamente, ao menos cognitivamente. Uma Presidência com baixa popularidade, fragilizada por seus próprios erros e pela combinação de crises política e econômica, representa uma oportunidade para outras forças políticas – da oposição e da própria base de apoio – chegarem ao Governo sem ganhar as eleições. Esses atores interessados no afastamento buscam apoio político para o impeachment, e no processo (com o suporte de advogados que lecionam, autointitulados juristas) pinçam as justificativas jurídicas mais plausíveis e menos contestáveis em eventuais recursos a posteriori. A discussão sobre a caracterização de crime de responsabilidade da presidente está deslocada, portanto. O foco deve ser outro.

Popularidade baixa e problemas na gestão não são motivos para o afastamento do chefe de Governo

Ser mecanismo constitucionalmente previsto não garante a legitimidade de todo e qualquer caso específico, principalmente se encararmos os fatos atuais sob uma lente muito mais importante – a da democracia. O rito do impeachment, sobre o qual muito papel e tinta foram gastos, é menos importante que o rito democrático. Eleições livres e periódicas e respeito à duração dos mandatos figuram como requisitos mínimos de qualquer definição de democracia ou discussão sobre sua qualidade. Ao caso brasileiro, some-se o detalhe: uma democracia presidencialista. Popularidade baixa, desconexão entre promessas de campanha e o pós-urna, e problemas na gestão de setores-chave para o país não são motivos para o afastamento do chefe de Governo em um regime presidencialista. Para isso, crimes de responsabilidade graves, muito claramente especificados, minimamente comprovados e que representem uma ruptura em relação a práticas toleradas anteriormente – como as manobras fiscais – teriam que ser debitadas na conta do presidente.
Continue lendo o artigo de Pedro Floriano Ribeiro, professor visitante na Universidade de Cambridge (St John’s College) e professor de ciência política na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), publicado no site do jornal El País, clicando AQUI>>>

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