Passados mais de trinta dias desde
a assunção do comando do executivo
federal pelo presidente interino Michel Temer, o Núcleo de Estudos
Sociopolíticos vem reafirmar publicamente o seu posicionamento
frente ao processo de impeachment e ao governo
provisório.
1. Nas democracias contemporâneas, infelizmente dominadas pelos interesses
do capital, o voto é, ainda, uma das poucas armas do cidadão na escolha dos
rumos das cidades, estados e nações. Nada é mais afrontoso à
democracia do que o desdém pelo resultado das urnas. Nesse sentido, é
condenável o fato de o governo interino, que não foi eleito, adotar uma agenda
liberal conservadora, totalmente contrária ao que as urnas determinaram nas
eleições de 2014.
2. Estranha-nos, também, o fato de o novo gabinete aliar-se com
os partidos derrotados naquele pleito, evidenciando que forças políticas
majoritariamente derrotadas pelo voto da população acederam ao
poder por meio desse processo que pretende se passar por legítimo, apenas
por haver sido observada a materialidade da lei ao mesmo tempo em que o
espírito da mesma lei é desrespeitado.
3. Registre-se, ainda, que todas as medidas anunciadas pelo governo
interino até o presente momento atendem a interesses de grupos econômicos e
setores privilegiados da sociedade, em detrimento dos interesses dos
trabalhadores e dos segmentos vulneráveis da sociedade. É inadmissível não
denunciar que o grande problema brasileiro, nossa chaga histórica, ainda é a
imensa desigualdade social que só poderá ser reduzida com a ação interventiva do
Estado na construção efetiva da justiça social.
4. Envergonha-nos, como brasileiros e cidadãos, o fato de o novo
gabinete interino ser formado majoritariamente por políticos denunciados pela
prática da corrupção. É lamentável, ainda, o fato de o ministério
interino não contar com a presença de mulheres, negros e jovens.
5. Ademais, o processo de impeachment, desde sua instalação, é
objeto de inúmeros questionamentos sob o ponto de vista formal (jurídico) e
político. Não havendo crime de responsabilidade caracterizado, como determina a
Constituição Federal, o eventual impedimento da presidenta Dilma Rousseff será
uma violência não somente às regras procedimentais da democracia, mas,
fundamentalmente, um desrespeito às mais basilares regras da Constituição.
Ora, esse tipo de ação, num momento de imenso descrédito das instituições,
sinaliza a falência do estado democrático de direito.
Pelas razões acima expostas, o Núcleo de Estudos
Sociopolíticos, em posição estritamente circunscrita à sua competência,
portanto, sem o envolvimento dos órgãos e instituições aos quais está
vinculado, manifesta-se publicamente contra o processo de impedimento e,
da mesma forma, contra a agenda do governo interino.
Avaliamos que a saída da crise política só será
legítima e ética se o mandato da presidenta afastada for garantido. Porém,
concordamos que, isso feito, a presidenta deverá apresentar as bases de um
pacto com a sociedade para a finalização de seu mandato. Essas são medidas
necessárias, mas conjunturais: a superação definitiva dos impasses atuais
só será possível com uma verdadeira e ampla reforma política.
Por outro lado, cabe aos grupos e partidos de
oposição, no tempo certo e cumprindo as regras procedimentais da democracia,
disputarem nas urnas a aprovação popular em favor de seus projetos de
governo. Se assim o fizerem, terão legitimidade para governar o país.
Belo Horizonte, 1º de julho de 2016.
Grupo gestor do Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp)
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